A delação premiada gerou sensação de impunidade. Mas há outros crimes sob investigação.

Por Felipe Cecconello Machado

Nos comentários que leio e ouço, tanto na imprensa quanto entre amigos, o que mais me chama a atenção é a indignação das pessoas com o tamanho do benefício concedido aos irmãos Batista em troca das informações que entregaram à justiça. Ainda que não tenha sido divulgada a íntegra das delações nem tampouco o conjunto das provas entregues pelos irmãos, poucos se conformam com o fato de não haver nenhuma punição pelos crimes confessados, sendo que os delatores conseguiram inclusive permissão para residir fora do Brasil.

Enquanto não vier a público a integralidade das delações, não será possível analisar a quantidade de informações valiosas, nem mesmo a quantidade de provas e pessoas atingidas pela delação, o que pode, sim, justificar o tamanho do benefício concedido aos irmãos; afinal, a delação só é interessante se oferecer algum benefício ao delator.

Por outro lado, outras notícias surgidas nos últimos dias podem de certa forma acabar, ou ao menos reduzir a sensação de impunidade em relação a eles. Através do Comunicado ao Mercado número 02 de 2017, a Comissão de Valores Mobiliários informou ao público a abertura de 5 processos administrativos para investigar a conduta de empresas do grupo JBS. Chama a atenção o quinto processo, 19957.004548/2017-12, que visa analisar negociações dos controladores da JBS SA com ações de emissão da companhia.

O que se investiga nesse caso é a possível ocorrência do crime de insider trading, ou seja, a negociação de ações com base em informações privilegiadas. Segundo informações prestadas pela própria JBS à CVM, durante os dias 20 e 28 do mês de abril de 2017, enquanto negociava os termos de sua delação premiada, acionistas controladores, diretores e conselheiros da JBS venderam um total de 23.474.460 ações da JBS, a um preço médio de R$ 10,30 por ação. No dia 19 de maio, um dia após a notícia da delação, o preço das ações da JBS caiu para R$ 8,58 por ação.

O crime de insider trading, tipificado no artigo 27-D da Lei das Sociedades Anônimas, ocorre quando alguém negocia informação a que tem acesso, mas que ainda não é de domínio público para obter vantagem indevida em negociação de valores imobiliários. É o que pode ter acontecido no caso da JBS.

Por saber que as informações sobre as delações poderiam vir a público, e com isso derrubar o valor das ações, vender pode ter sido financeiramente muito vantajoso para os acionistas da JBS. Porém, ao utilizar a informação que tinham para obter vantagem financeira, acabaram por prejudicar quem comprou as ações, que sofreram substancial perda em seu valor, e não tinha a mesma informação. Esse é o escopo da investigação aberta pela CVM.

Como o possível crime de insider trading foi cometido à partir da delação premiada, por óbvio a isenção de sanções negociada pelos delatores não englobará este crime, que, uma vez comprovado, sujeitará os indivíduos que o cometeram às penas de: reclusão, de 1 a 5 anos e multa de até 3 vezes o valor da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.

Assim, ainda que livres de ação penal por conta dos crimes cometidos e confessados no âmbito da delação premiada, poderão os irmãos Batista ser processados e eventualmente condenados por uso de informações privilegiadas, o que de certa forma pode mitigar a sensação de que não houve nenhuma punição aos crimes por eles cometidos.

 

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