Liminar garante manutenção de internação de idoso contra a vontade dos médicos de hospital de propriedade de plano de saúde

Por Felipe Cecconello Machado

É crescente no Brasil a existência de planos de saúde que possuem sua própria rede de laboratórios, clínicas e hospitais, movimento conhecido como verticalização. O que é anunciado e vendido como uma grande vantagem para os clientes dos planos de saúde, pela agilidade no atendimento e aprovações de procedimentos, pode na verdade esconder uma situação muito preocupante de conflito de interesses.

Como há muito se sabe, a saúde pública não funciona no Brasil, o que abriu espaço para a mercantilização da saúde através dos planos de saúde. O direito à saúde, garantia fundamental prevista na Constituição Federal, passou a ser administrado, em grande parte, por empresas que tem como única finalidade o lucro.

Nesse cenário, a aquisição de hospitais por operadoras de planos de saúde é situação que diminui custos para as operadoras, aumentando seus lucros, mas que também cria conflito de interesses, situação pouquíssimo explorada ou noticiada.

Tal situação já causa preocupação aos profissionais de saúde, como se pode ver em manifestação[1] do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo que, ao tratar dos riscos da verticalização, diz:

Para os médicos, a verticalização também ameaça o mercado de trabalho, já que as operadoras passam a ter controle muito maior sobre os prestadores de serviço.”

A verticalização acaba criando um cenário competitivo onde a qualidade pode ser substituída pela sustentabilidade do negócio. Trata-se de um processo onde não se vê com clareza a linha divisória entre o resultado econômico e a qualidade da assistência.”

A partir do momento em que a operadora de plano de saúde é a proprietária de um hospital, o profissional da medicina que trabalha neste hospital passa a ser subordinado de forma direta ao plano de saúde e aos seus interesses econômicos. Assim sendo, pode passar a sofrer pressões para não solicitar procedimentos, exames, cirurgias e internações que, quando solicitados por médicos particulares e negados pelas empresas, tornam-se alvo de disputas judiciais cada vez mais comuns nos tribunais brasileiros (judicialização da medicina).

Deste modo, ao induzir os consumidores a procurar médicos de sua rede própria (e não apenas referenciados), as empresas podem, mediante pressão por resultados sobre os médicos, limitar a quantidade de procedimentos solicitados, diminuindo a quantidade de negativas e assim mantendo uma boa imagem, deixando em último plano a saúde de seus clientes.

A corroborar os argumentos acima mencionados, o Pittelli Advogados Associados obteve, na última semana, com base em relatório de médico particular, liminar para manter internado um senhor de 91 anos, com alta prescrita pelo médico do hospital pertencente à operadora de saúde ao qual é conveniado. Com o relatório em questão, o autor comprovou que não havia a menor possibilidade de que deixasse o hospital.

De nada adiantaram as alegações feitas diretamente ao hospital e sua diretoria clínica, inclusive pelo médico particular, tendo sido necessário buscar os tribunais apenas para garantir que uma pessoa em estado de saúde extremamente frágil fosse tratada com o devido cuidado por um hospital, e não liberada à própria sorte. Nada pode ser mais absurdo ou revoltante.

A saúde deixou de ser garantia fundamental e hoje é apenas e tão somente um produto.

[1] https://www.cremesp.org.br/?siteAcao=CentroDados&acao=livro&pg=36

 

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